Os problemas de atendimento no setor de saúde pública do Brasil não são novidade. Porém, o crescimento de casos decorrentes da pandemia do Novo Coronavírus (COVID-19) impõe uma nova realidade, ainda mais triste.

Inúmeros são os casos, país afora, em que a quantidade de leitos clínicos ou de alta tecnologia (UTI) disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde são insuficientes para atender a demanda, pois não só pacientes acometidos pela COVID-19 necessitam de cuidados extremos.

Além disso, há ainda um fator complicador: os leitos de uso geral não podem receber pacientes infectados com o Novo Coronavírus por uma questão de evitar propagação do contágio, ou seja, em um mesmo ambiente não é possível manter o atendimento para pacientes com e sem a COVID-19, ao mesmo tempo.

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A saúde é direito de todos e dever do Estado

A Constituição Federal garante que a saúde é direito de todos e dever do Estado (art. 196), impondo que os entes federativos alcancem a todo e qualquer cidadão que assim precisar àquilo que for necessário para a manutenção de sua vida, sem atribuições exclusivas ou excludentes.

Reflexo do dispositivo constitucional acima, a Lei 8.080/90, conhecida como Lei do SUS, consigna que a saúde é um direito fundamental do ser humano (art. 2o), e que por isso determina o alcance de assistência terapêutica integral (art. 6o, I, “d”), sendo tal obrigação de competência comum de todos os entes federativos (art. 23, II da CF/88).

Buscar uma divisão de responsabilidade entre os entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) imporia a inviabilização ou, no mínimo, dificultaria sobremaneira o acesso à saúde que porventura possam os cidadãos necessitarem. Por tal razão, o Poder Judiciário entende, em sua esmagadora maioria, pela solidariedade dessa responsabilidade.

E quando a capacidade da rede pública se esgota?

A escassez de leitos na rede pública é fato corriqueiro, agravado pela atual situação pandêmica, colocando em risco a vida de milhões de pessoas. Prova disso é o controle de leitos divulgados diariamente pelos veículos de comunicação, em que Estados e Municípios, em determinado momento, estavam com sua lotação máxima.

A pergunta que se impõem, então, é: Não havendo leitos disponibilizados pela rede pública, e não tendo a pessoa condições de contratar um leito privado, como garantir a manutenção de sua saúde?

De fato, o Poder Judiciário busca, de forma a preservar a divisão e independência de poderes, não se envolver em questões de políticas públicas. Ocorre, porém, que no caso em que vidas estão em jogo, deve o Judiciário, e assim tem feito, defender o bem maior, no caso a saúde do cidadão.

Em recente problema, um hospital privado se viu compelido a receber, por força de decisão judicial, paciente que necessitava de leito especializado de alta tecnologia, tendo em vista que o ente federativo (no caso específico um Município) não dispunha de condições de atendimento na rede pública, pois todos os leitos haviam sido ocupados.

Devidamente cumprida a ordem judicial, o hospital posteriormente apresentou ao ente federativo os valores decorrentes da internação do paciente, sendo o pagamento negado em virtude de que não havia contrato entre as partes para disponibilização dos serviços.

Foi necessário, então, se ingressar com demanda judicial no intuito de que o ente federativo arcasse com as despesas, tendo em vista que a ordem judicial de internação foi lastreada na falta do cumprimento da obrigação de acesso à saúde por parte do Estado ao seu cidadão.

Inexistindo leito hospitalar, quer seja clínico ou de alta complexidade, de modo geral – incluídas as demais diversas necessidades, de acordo com a doença que acomete a pessoa necessitada -, o ente federativo deverá arcar com os custos de leitos privados para garantir o acesso.

Como bem observado pelo Ministro Herman Benjamin:

a reserva do possível não configura carta de alforria para o administrador incompetente, relapso ou insensível à degradação da dignidade da pessoa humana, já que é impensável que possa legitimar ou justificar a omissão estatal capaz de matar o cidadão de fome ou por negação de apoio médico-hospitalar. A escusa da “limitação de recursos orçamentários” frequentemente não passa de biombo para esconder a opção do administrador pelas suas prioridades particulares em vez daquelas estatuídas na Constituição e nas leis, sobrepondo o interesse pessoal às necessidades mais urgentes da coletividade. O absurdo e a aberração orçamentários, por ultrapassarem e vilipendiarem os limites do razoável, as fronteiras do bom-senso e até políticas públicas legisladas, são plenamente sindicáveis pelo Judiciário, não compondo, em absoluto, a esfera da discricionariedade do Administrador, nem indicando rompimento do princípio da separação dos Poderes. (STJ, REsp 1068731/RS, rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. em 17.2.11)

 

Mas quais seriam os valores a serem dispensados com uma internação privada? De regra, os valores praticados pelos hospitais, pois não há prévia negociação entre o ente federativo e o hospital.

Como governos e hospitais podem se organizar para isso?

Cabe aos entes federativos uma melhor organização nesses tempos de pandemia, em especial, para que supram as necessidades essenciais à saúde de sua população, inclusive de negociar previamente, junto aos hospitais privados, condições de contingência. Isso preserva o dinheiro público, pois os valores médico-hospitalares estarão previamente estabelecidos, além de dar segurança para a comunidade de que disporá de assistência, caso necessário.

O auxílio jurídico profissional para problemas de atendimento em casos de urgência/emergência é medida impositiva para que seja garantido o acesso do cidadão aos serviços médico-hospitalares essenciais à manutenção da vida.

Da mesma forma, o acompanhamento jurídico para a construção e organização, por parte do ente federativo, de um plano de contingência nas mais diversas áreas, e em especial a da saúde, garante que tudo seja realizado de acordo com os princípios basilares da administração pública.

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