A Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), trouxe um grande avanço para as contas públicas dos entes federativos. A responsabilidade fiscal tem como objetivo primordial evitar que o Poder Público tenha gastos maiores do que aquilo que arrecada ou, caso isso seja inevitável, que recorra ao endividamento apenas seguindo regras pré-estabelecidas e transparentes.

Após duas décadas de existência, um dos aspectos da LRF que mais gera dificuldade de ajuste das contas é a despesa com pessoal. Entenda o que determina a lei e como alguns gestores estão incorrendo em medidas inconstitucionais ao tentar cumpri-la.

A importância da Lei de Responsabilidade Fiscal

As disposições da LRF obrigam a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, sendo compreendidos o Poder Executivo, o Poder Legislativo (incluídos os Tribunais de Contas, o Poder Judiciário e o Ministério Público), bem como as respectivas Administrações diretas, autarquias, fundações e empresas estatais. 

A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) criou mecanismos para o controle dos gastos públicos, buscando o acompanhamento das finanças para que situações de problemas, e até interrupções, dos serviços públicos sejam evitadas.

Foram muitas as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIN) que atacaram a LRF, cujo julgamento final e conjunto (todas as ADINs foram reunidas e julgadas no mesmo momento) se deu no mês de agosto de 2019, pelo Supremo Tribunal Federal.

Mas porque abordar um assunto cujo julgamento se deu há quase um ano? Porque um ponto especial, que passaremos a analisar, tem sido verificado de forma recorrente em vários municípios sem respeito àquilo que decidiu o STF.

O limite de despesa com pessoal na Lei de Responsabilidade Fiscal

Como regra, a prestação de serviços públicos exige um grande número de servidores, de modo que a despesa com o pagamento desses servidores é, quase sempre, a maior parcela de gastos dos entes federativos. Um dos mecanismos de controle da LRF é a limitação da despesa com pessoal. Na esfera municipal, o teto de gastos corresponde a 60% da Receita Corrente Líquida do Município¹, com limites de 6% para o Legislativo e 54% para o Executivo.

Quando o gasto com o pagamento de pessoal no Poder Executivo do município atinge 95% do teto, ele ultrapassa o que comumente se chama de “Limite Prudencial”. É um patamar que atua como “controle intermediário”, impondo alguns entraves à administração, tais como: ficar impedida de criar cargos, de conceder reajustes e contratar horas extras, entre outras. 

Ultrapassado o teto efetivo de gastos com pessoal (54%), então o município terá 8 meses para corrigir os excessos e, para isso, a LRF previa que, dentre as atitudes a serem tomadas, seria possível, segundo o artigo 23, §§ 10 e 20, a redução de valores de cargos e funções, bem como redução temporária de jornada de trabalho e a consequente redução dos vencimentos².

O Supremo Tribunal Federal, como já dito, em julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade número 2.238-5, decidiu pela inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do art. 23, § 1º da LRF, obstando a interpretação de que seria possível reduzir valores de função ou cargo que estiver provido, ou seja, se alguém estiver exercendo o cargo ou a função, não é possível a redução dos valores.

Além disso, quanto ao parágrafo 2º do art. 23 da LRF, declarou sua inconstitucionalidade integral. O Ministro Relator Alexandre de Moraes salientou que

por mais inquietante e urgente que seja a necessidade de realização de ajustes nas contas públicas estaduais, a ordem constitucional vincula a todos, independentemente dos ânimos econômicos ou políticos. Portanto, caso se considere conveniente e oportuna a redução das despesas com folha salarial no funcionalismo público como legítima política de gestão da Administração Pública, deve-se observar o que está fixado na Constituição (art. 169, §§ 3º e 4º). Não cabe flexibilizar mandamento constitucional para gerar alternativas menos onerosas, do ponto de vista político, aos líderes públicos eleitos. De acordo com a jurisprudência do Tribunal, o art. 37, XV, da CF impossibilita que a retenção salarial seja utilizada como meio de redução de gastos com pessoal com a finalidade de adequação aos limites legais ou constitucionais. A irredutibilidade do estipêndio funcional é garantia constitucional voltada a qualificar prerrogativa de caráter jurídico-social instituída em favor dos agentes públicos. A redução da jornada de trabalho com adequação dos vencimentos à nova carga horária é medida inconstitucional. 

Verifica-se, corriqueiramente, municípios sem um planejamento consistente em relação às despesas, recorrendo, de forma ilegal, à diminuição de vencimentos de seus servidores para cumprir com as metas estabelecidas pela LRF.

Como o servidor deve proceder?

Ao perceber a utilização de mecanismo proibido por lei, ou seja, a diminuição de vencimento de pessoal para adequação do percentual de gastos da gestão, o servidor deverá, através das demandas judiciais específicas, garantir a aplicação da norma que impede que ele seja prejudicado.

Não são admitidas situações como:

  • Diminuição de carga horária e a decorrente diminuição de salários;
  • Diminuição de vencimentos de cargos ou funções de servidores efetivos, ou de cargos em comissão, que estiverem providos.

Caso isso ocorra, o servidor público terá direito à recomposição imediata de seus vencimentos ou, assim não sendo possível, poderá buscar a indenização pelo tempo trabalhado em momento posterior.

Nosso escritório está preparado para garantir ao servidor público que ele receba aquilo que lhe é devido pelo trabalho prestado, assim como para auxiliar as entidades representativas de categoria, como sindicatos, a buscarem o melhor para seus associados.

Converse conosco e saiba como podemos ajudá-lo.


1 – Art. 2o Para os efeitos desta Lei Complementar, entende-se como:
IV – receita corrente líquida: somatório das receitas tributárias, de contribuições, patrimoniais, industriais, agropecuárias, de serviços, transferências correntes e outras receitas também correntes, deduzidos:
c) na União, nos Estados e nos Municípios, a contribuição dos servidores para o custeio do seu sistema de previdência e assistência social e as receitas provenientes da compensação financeira citada no § 9º do art. 201 da Constituição.

2 – Art. 23. Se a despesa total com pessoal, do Poder ou órgão referido no art. 20, ultrapassar os limites definidos no mesmo artigo, sem prejuízo das medidas previstas no art. 22, o percentual excedente terá de ser eliminado nos dois quadrimestres seguintes, sendo pelo menos um terço no primeiro, adotando-se, entre outras, as providências previstas nos §§ 3º e 4º do art. 169 da Constituição

§ 1o No caso do inciso I do § 3º do art. 169 da Constituição, o objetivo poderá ser alcançado tanto pela extinção de cargos e funções quanto pela redução dos valores a eles atribuídos.

§ 2o É facultada a redução temporária da jornada de trabalho com adequação dos vencimentos à nova carga horária.