Este é um assunto de imensa relevância para todos que, porventura, estejam ligados, de alguma forma, com entes estatais, quer seja através de cargos, contratos, licitações e outros.

O bloqueio de bens, no âmbito de ações judiciais entre particulares, tem um entendimento do Poder Judiciário diametralmente oposto àquele em que o Estado estiver figurando. Para que um particular consiga uma ordem judicial de bloqueio de bens contra outro particular, no intuito de garantir que até o fim da ação judicial tais bens não sejam desviados e, dessa maneira, uma condenação não seja possível de ser cumprida, é extremamente difícil.

Mas, como dito, se na figura daquele que busca se ressarcir de eventual prejuízo figure um ente estatal, a persecução do bloqueio de bens do particular é “facilitada” pelas razões que veremos a seguir.

Dos requisitos em que o Estado NÃO seja o prejudicado

Dentre requisitos necessários, e os principais, para que se possa concretizar o bloqueio de bens de terceiro para, como já dito, garantir um futuro ressarcimento de danos, podemos citar a fumaça do bom direito (fumus boni iure) e o perigo da demora (periculum in mora).

No primeiro requisito, é imperioso que se demonstre, de forma efetiva, que aquele que busca o ressarcimento, a indenização, tenha a lei ao seu lado, ou seja, que comprovando os fatos alegados no processo judicial, ao final, o juiz terá que decidir a seu favor, pois assim a legislação lhe garante.

Por exemplo: em um acidente de trânsito em que o carro da vítima é abalroado por outro, que ultrapassou o sinal vermelho, é obrigatório que a pessoa que sofreu o dano aponte que, de acordo com os fatos narrados, o causador do acidente infringiu legislação de trânsito e, por isso, cometeu um ato ilícito. Assim, em princípio, tendo a vítima sofrido dano em seu patrimônio por conduta ilícita de outrem, a lei lhe garante que o autor do ato lhe indenize conforme disposto no artigo 186 do Código Civil.

No segundo requisito, o perigo da demora, como o próprio nome diz, deve demonstrar que a demora natural de uma decisão final do processo judicial poderá causar um dano grave ou de difícil reparação àquele que busca a tutela judicial, ou seja, que ao final do processo a decisão poderá não ter qualquer serventia, pois não conseguirá ser cumprida.

Utilizando do mesmo exemplo anterior, e já caracterizada a fumaça do bom direito, o autor do pedido de indenização demonstra que o causador do dano tem como único patrimônio um automóvel e que, estando livre e desembaraçado, poderá ser vendido a qualquer momento e, ao final da ação, não será possível garantir o pagamento daquilo que o juiz fixar como indenização.

No exemplo acima, então, entendendo o juiz que os requisitos da fumaça do bom direito e o perigo da demora estão presentes, poderá determinar o bloqueio do automóvel daquele que causou o dano, não lhe sendo mais permitida a venda. Nesse caso, a determinação do juiz possibilita que a decisão da ação, se entender por devida a indenização pelos danos causados, seja cumprida.   

Dos requisitos em que o Estado figure como prejudicado

Nesses casos, a situação se modifica de forma um tanto quanto grave para aquele que deve ressarcir o Estado em função de atos caracterizados como improbidade administrativa.

O Poder Judiciário entende que existindo danos – pecuniários ou não – ao erário público, a aplicação dos requisitos da fumaça do bom direito e do perigo da demora devem ser relativizados, ou seja, sua aplicação ao caso concreto deve ser interpretada de forma menos rígida em comparação com aquela lançada na relação entre particulares.

Isso se dá porque, segundo a jurisprudência e grande parte da doutrina jurídica, os requisitos atuam em favor da sociedade (Princípio in dubio pro societate) e não de um indivíduo, ou seja, para o coletivo e não para o individual.

Desse entendimento, é possível extrair que nas ações de improbidade administrativa o Ministério Público não tenha a obrigação de descrever, de forma minuciosa, quais ações ou omissões foram praticadas pelo acusado do ato ímprobo e, mesmo assim, ter o pedido de bloqueio de bens deferido pelo Poder Judiciário, indisponibilizando parte ou todo, o patrimônio do réu.

Evidentemente que os indícios de responsabilidade de eventuais atos ou omissões deverão ser concretos e sólidos, mas, como dito, não será necessário que o Ministério Público se dedique a minúcias, como normalmente se exige em demandas entre particulares.

Não menos importante, o requisito do perigo da demora, nesses casos que envolvam improbidade administrativa, é considerado presumido, ou seja, não é necessário demonstrar que ele está presente no caso concreto.

Note-se parte de decisão do STJ que aduz exatamente o que aqui se explica:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE. INDISPONIBILIDADE DE BENS. NECESSIDADE DE REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7 DO STJ (…)

  1. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.366.721/BA, DJe 19/09/2014, submetido ao rito do art. 543-C do Código de Processo Civil/1973, correspondente ao art. 1.036 e seguintes do CPC/2015, assentou a orientação de que, havendo indícios da prática de atos de improbidade, é possível o deferimento da medida cautelar de indisponibilidade, sendo presumido o requisito do periculum in mora. (…)

(AgInt no REsp 1663563/RN, Rel. Ministro Gurgel De Faria, Primeira Turma, julgado em 03/05/2018, DJe 15/06/2018)

Da inclusão do valor da multa civil

Vimos, até aqui, que existindo indícios de ato de improbidade civil, é possível ao Estado requerer ao juiz o bloqueio de bens do responsável até o limite de eventuais prejuízos causados.

Consoante disposto na Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92), aqueles que causarem prejuízo ao erário público, atentem contra os princípios da administração pública ou, ainda, enriquecem de forma ilícita no exercício de cargo ou função poderão sofrer as seguintes sanções:

  1. Perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio;
  2. Ressarcimento integral do dano;
  3. Perda da função pública; 
  4. Suspensão dos direitos políticos;
  5. Pagamento de multa civil;
  6. Proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.

Para os atos de improbidade administrativa que acarretem em enriquecimento ilícito (artigo 9º), as sanções previstas em lei são:

  1. Perda dos bens acrescidos ilicitamente;
  2. Ressarcimento integral do dano;
  3. Perda da função pública;
  4. Suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos;
  5. Pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios pelo prazo de dez anos.

Para os atos de improbidade administrativa que causem lesão ao erário (artigo 10):

  1. Ressarcimento integral do dano;
  2. Perda da função pública;
  3. Suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos;
  4. Pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios pelo prazo de cinco anos.

Para os atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública (artigo 11):

  1. Perda da função pública;
  2. Suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos;
  3. Pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios pelo prazo de três anos.

O problema, majorado, objeto do presente texto, está que dentre as eventuais condenações, a Lei de Improbidade estabeleceu a possibilidade de aplicações de multas, chamadas multas civis, para os diferentes atos de improbidade, com variações apenas de intensidade.

Desta forma, em tese, tais multas podem ser aplicadas tanto em condenações que podemos definir como leves, como, por exemplo, uma transgressão de um princípio da administração pública, como em condenações por enriquecimento ilícito que causaram milhões de reais em prejuízos ao erário público.

O artigo 12 (caput) da Lei 8.429/92 estabelece que as sanções podem ser fixadas de forma isolada, ou não, de acordo com a gravidade do dano. Desta forma, a “base legal” é a subjetividade do juiz, inobstante poder haver argumentos de que o artigo 20 do Decreto-Lei 4.657/1942 (Lindb), exige motivação sobre a necessidade e a adequação da medida a ser imposta, o que ainda não afasta a subjetividade.

Tais multas são consideradas, conforme entendimento do STJ, parte do todo a ser assegurado ao Estado, ou seja, inobstante haver indisponibilidade de bens do responsável pelo ato ímprobo para garantir pagamento de eventuais prejuízos causados ao erário público, tal indisponibilidade também deverá assegurar o pagamento de eventual multa civil.

Em entendimento extensivo, s.m.j., havendo a apuração de conduta Ímproba que não tenha causado danos pecuniários diretos ao Estado, mas passível de multa, poderão os bens serem indisponibilizados para assegurar o cumprimento de futura sentença judicial.     

​Nota-se, assim, que tanto o assessoramento especializado dos atos diários daqueles que lidam diretamente, ou até mesmo indiretamente, com o Poder Público, se faz necessário para minimizar a ocorrência de atos que possam acabar sendo questionados judicialmente.

Além disso, quando tais atos são questionados, é essencial contar com uma equipe com larga experiência no assunto, tentando evitar condenações, multas e indisponibilidades de bens que, não raras vezes, perduram por anos.

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